sábado, fevereiro 19, 2011

Para aquela que acena com o lenço.


Era tarde.

Meus dedos sequer sabiam tocar as mesmas teclas, as mesmas cordas.

Estavam mudos.

Não há música a embalar o desassossego de mim sem você.

E meus ouvidos perderam o tato do amor que se ausentou.

Preservado de nós dois, o silêncio é o sal da redenção.



Decretamos a noite. Decretamos o sangue.

Meus olhos arriscam em te ver mesmo no escuro.


- Apague as velas meu amor, venha, a cama continua arrumada.

Ele não escuta.

Uma canção lança o farol sobre a nossa extensiva paisagem amorosa, e meu olhar te abraça em cada corpo ausente.


Fugitivos de nós dois.
Fugitivos de um futuro.

- Ou vai ou fica, querida.

- Eu vou, ouriço.

Alteramos os dias...
Minha-tua natureza frágil não tem como escapar do medo,
ele nos revela mortos.
Uma melodia romântica é capaz de nos deixar no chão, é capaz de nos fazer dançar. Mas por favor, “Don’t watch me dancing.”

 

- Por favor, menina! Pare de dançar por cima dos meus pés, eles estão doendo.


Tuas mãos tão geladas e aflitas quanto as minhas.

Teimosamente, disfarçadas de nós dois.
Posicionei-o na prateleira.

Você é a minha derrota predileta, mas já é chegada à hora de devolver o troféu.

Não me tome como desalmada, isso não sou!
Tive toda a delicadeza e zelo embora bem cansada, não dei as costas e nem fingi desconhecê-lo.


Dos males o menor, amar em demasia povoa e funda poemas.

É preciso cuidado com o pedido alcançado.

E se o amor se esvair de vez?

O tempo tem me assustado.
O frio tem me levado.

Nem precisa preocupação, piedade muito menos.

Pois você sabe que os calendários apenas imitam o tempo, e o nosso?
O nosso... O nosso... O... Nosso...

Um desconhecido me toma pela cintura.

Trégua:

Para onde fomos que não nos levamos? Para onde vou que não te levo?

Eu uso a poesia para contrariar o tempo!

E você meu bem, por onde se deixou escorrer?

Eu uso as palavras para espantar o eco da tua presença!



“Eu tenho que ir, amor”!

Morrer de vida, viver de morte.

segunda-feira, fevereiro 14, 2011

Vinil contrário

São quatro da tarde. Não. São quatro e cinqüenta e oito da tarde.
Gosto de ser exato. 
Estou à espera do homem que virá montar o guarda-roupa que comprei. A vida é tudo isso: guarda-roupa, fogão, trocar lâmpada do banheiro e amar errado. Aliás, amar errado é exagero. Se amo é porque amo e nunca o amor será errado. Ou será? Meu pai sempre me disse que amar não era coisa de homem. Não sei, porque na verdade nunca tive pai. E minha narrativa é tão gasta quanto à vida é gasta e sinto falta da mulher que não presta, ligo pra ela, mas parece estar ocupada com outros clientes.
          Eu tenho uma amiga. Éramos amigos. Sempre fomos. Sempre conversei de tudo com a mulher. Elas acham que nós homens não sabemos nada sobre elas, o que elas não imaginam é que não sabem de nada sobre nós. Ou sabem? Então faço meus cálculos.                      
       Quem desdenha quer comprar. Penso na mulher com tanto carinho que me atina uma vontade que não tenho. Ela é dos ares e eu sou da lama e acho todo mundo um bando de sacana querendo ver o mal do outro. E não sei montar minhas sentenças. E também não monto guarda-roupa. E o tempo chacoalha no relógio e eu fumo outro cigarro. Penso em masturbação. Ando tão sem excitação... Nem de mim eu gosto. Uma amiga disse que masturbação é coisa de criança se descobrindo. Prefiro seguir a visão do Burroughs. Masturbação é autoconhecimento. Em um mundo cheio de pessoas extraordinárias e resolvidas eu me masturbo às 4 da tarde. Penso em muitas coisas. E penso na mulher que não presta. Ela me dizia que, às vezes, queria desistir de tudo. Como se fosse abandonar o navio. E eu dizia que também desistiria.
Era recíproco até nisso o que a gente sentia. Até a fraqueza era a mesma. Talvez, por termos sido tão iguais, tão inescrupulosamente iguais, não tenhamos vingado. E eu não a amava. Ela apenas me preenchia um vazio que ninguém mais preenche. Cometo o crime de achar que encontrarei perfeição em outras pessoas. Moro em outra cidade agora. Meus amigos ficaram para trás. Fazer mudança é sofrer de parto, sempre digo. Mulheres devem saber como me sinto. Comprei apartamento, compro coisas e vou me estufando.
      Mas, ainda vazio, minto aos amigos dizendo que estou bem, pois sou homem! Mas guarde esse segredo caro leitor entediado, não estou. E me falam a respeito do mal do século. Alguns falam em Jesus e salvação e eu tento ir ao trabalho sem que me sinta enjoado de tanta repetição e mentira por cima de mentira. Nunca fui pessimista. Sempre gostei do sexo, é, do sexo. No entanto, sempre quis morrer. Nunca vi um motivo que me fizesse ficar aqui nesta vida só para cumprir tabela.
Eu não agüento mais esperar o cara que viria montar o guarda-roupa! Ligo pra loja e já fecharam, merda. Ninguém cumpre metas. Cumprir metas é tão patético quanto dizer que nunca pecou. Eu peco. Eu rezo. Faço até macumba. Acredito em ideais perdidas e, depois de beber, escrevo aos amigos que não tenho mais e peço desculpas. E escrevo à mulher que não presta. Ela é tão indigna que só mesmo ela para vir até mim e dizer que sente minha falta e que daria a vida por mais um dia ao meu lado. Por isso não presta. Porque é ingênua. E ninguém percebe ingenuidade atrás de um sorriso que finge ser forte. A mulher é como eu.
Espera homem chegar, martela pensamentos e acredita que masturbação é pedir conselho ao próprio corpo pra saber que diabo de fome é esta que nos faz olhar o relógio a cada cinco minutos só pra saber se a vida ainda continua ou se alguém vai entrar pela porta trazendo flor ou carta ou chegar de joelhos pedindo perdão. Que ninguém saiba que somos iguais. Que ninguém saiba que também sou ingênuo e acredito em tudo que vejo. Telefono para a mulher que não presta, ouço a risada dela e o mundo fica para trás. Se eu soubesse que seria apenas assim, simples, ligar e me sentir em casa, eu teria ligado outras vezes, tantas outras vezes. Você sabe. Eu teria ligado.        
     Sou homem estilo crachá, que se vira sozinho e não me deixo passar por idiota. Mas, pela mulher que não presta, eu choro por horas. Choro no ombro dela e a gente se completa por sermos humanos. E nem vento entra em meu apartamento. Será que sempre é pedir demais? Vivo pela raiz tudo que a vida traz. Até meu azar de ser quem sou me faz ver que ainda há algo a se fazer. Talvez uma viagem. Talvez uma mentira a mais para esquentar o dia que termina sem rima. Sinto-me esquisito. Típico galã de filme retrô. Vou ligar mais uma vez pra mulher que não presta.