sábado, abril 16, 2011

Clepsidra

Abri as janelas à espera de alguma idéia que pudesse seduzir-me.
A noite vestia uma camisola  feita de neblina, me contorcia como se quisesse afastar a solidão que tantas vezes havia me perseguido pela vida.  Fechei os olhos. Segurei-os cá dentro. Talvez se eu nunca mais os abrisse, talvez se eu nunca mais lembrasse, não teria que suportar tanto. Nem viver da esperança de recuperar um tempo que escorre pelas minhas mãos em cascata, e faz da minha pele um rio congelado onde nenhuma nascente deságua. ELA NAO SABE GRITAR.”
Sem ainda levantar os olhos para os teus, para certificar-me de que eras tu e de que me vias, eu disse:Quero que tu tenhas um endereço!”
Foi um tiro em uma alma tão perdida, tão amada, tão frágil, tão suja, tão preciosa, tão viva, tão morta, tão cuspida. E se tentasse tocá-lo, talvez me faltassem os braços.  Quando a loucura me venceu, explorei-o palmo a palmo, receando encontrar por detrás daquela armadura com todas as suas partes soldadas, apenas um esqueleto calcificado. Que nada... Descobri em ti fonte de vida.

Sim, sim...

Continuei, falei, chorei, segurando na palma da mão as maiores frustrações de alguém que ama e, quer morrer amando aquilo. Queria palavras.
“Escolhe a rua, a casa, e quem vai lavar teus lençóis sujos de lama.
Porque ando cansada de olhar teus olhos e ver ela, de segurar suas mãos e sentir o quão doce e afetuosa ela é, e como os cabelos dela são macios, estou cansada de te sujar de batom e você sempre voltar com a roupa limpa, estou cansada de ficar sempre na próxima estação te esperando com o vestido azul que já está velho e desbotado.”
                                                                                  Mazela...
                          Ciclo...

                                         “Parindo um adeus.”

Da varanda de meus olhos frios, um desconhecido busca um amor irrefletido. Entregue às eucaristias de afetos passageiros, entre confidências e promessas que jamais se cumpririam.
Viestes e fostes, mas não sem antes compreender que a única maneira de vencer a minha porta, seria derrubá-la. Limpastes a ferida negra e sem fundo com toda calma. Ficastes... Quando todas as outras pessoas teriam fugido apavoradas. Fugiu. Nunca saberei se para sempre ou por um tempo. Mas naquele momento, tua presença me bastava. Era isso o que amávamos. Os obstáculos.
Queria respirar pelos teus pulmões, mas, por favor, não o oxigênio dela. Porque aqui dentro vira carbono. Rodopiávamos nos ares como um furacão bíblico entre catástrofes sobrenaturais e ameaças nucleares. Nas horas em que conjecturava se o mundo não estaria acabando, muitas vezes parava para pensar se o encontraria no toque de um estranho. Ledo engano. Sempre que outro alguém me procurava os lábios, lia neles uma sílaba indecifrável, pecando pelo excesso de verbos no passado. 
Eu ia me desperdiçando entre suores e salivas que não me pertenciam sempre olhando para a hora de ir embora, como se dela eu fosse a senhora.
E não me venha com exageros nem vitimismo, pois estou aqui defendendo e te mostrando friamente minhas dores, pouco me importa o resto, as comparações ou os complementos, “O papel do divórcio está aqui e eu não vou aceitar dividir os bens.”

Minha porta foi trancada, logo eu que gostava tanto de olhar o mar nos fins de tarde... Foram expulsos daqui todos os seres que viviam/moravam ao lado da minha alma atormentada, melhor dizendo: As que se perderam por entre os cômodos.
Toma, aí está à chave...
Olha! É a chave que você tanto me pediu.
Estou balançando! Consegue escutar o barulho que ela faz? Consegue? Ou entra, ou deixa na alcova, não... Se quiser também pode deixar debaixo do tapete eu sempre faço isso pra que você entre em casa quando não estou, só não fique aí me olhando, vai ver um corpo marcado, um rosto velho, pálido e enrugado. Fosse esta porta trancada e não simplesmente encostada, à espera que você sempre empurre. Olha aqui minhas mãos, a perca não me dói, o que dói é o que antecede. Ir embora é ação, não quero mais ser um corpo possuído e tomado pelas dores. Ao virar a esquina, vou dar uma última olhada nesse céu cinzento, como se eu pudesse dobrá-lo com todo cuidado para não amarrotar esse amor que eu estava deixando. Era tão bonito que Adônis e Eros poderiam sentir inveja.
Meu querido, não fale de faltas nem de dúvidas, você deixou sua amada entrar em meu quarto todas às madrugadas sempre arrancando choros meus... Não consigo mais rir de seus alardes, mas se você resolver partir não te preocupe com o “nós” vai ser eu lá e você aqui... Continue dançando e jogando nossos verbos aos ventos, porque ir embora não é morrer. E por aqui deixarei meus versos cabe a você, meu anjo torto, os gritar.
Crio agora coragem e solto os laços, se quiser voltar e dar mais nós... O vento pode levar a fita e você pode amarrá-la em outro pulso, faça o que te faz bem, pois eu o amo tanto... Eu... Eu... Tanto... Que renuncio o meu amor para que você possa voar. Ao menos assim, vou poder voltar com a pose da bela atriz do filme antigo, e ir ao encontro de alguma outra alma. Não faz tempo que você foi embora e ainda sinto uma saudade alucinada de nós. Mas aqui me sinto leve, sem os meus pesos mortos, que lá me fazem andar cansada, vou flutuar feito pena: suave, procurando alguém que me pegue e me sopre pra longe. Daqui ainda ouço um zunido interminável que disfarça os sons de solidão que me perturbam. Mais uma noite em claro vem vindo e agora, deixando de vivê-lo para apenas imaginá-lo. Como se quisesse memorizá-lo entre os dedos, escrevo.


                        “Faz um tempo eu quis, fazer uma canção, pra você viver mais...”

segunda-feira, abril 11, 2011

Mísero (Mentira Social)

Pés.
Abri as janelas à espera de alguma idéia que pudesse seduzir-me, e lembrei-me do dia em que o encontrei na cidade, deserta, conforto... Até parecia uma puta desprezível e mal-encarada me esperando na esquina.
Ele tinha dificuldades para respirar, mas começou a me sufocar. Para escrever preciso de uma folha de papel, ousadia, ou talvez eu me parta ao meio em covardia para medir forças...Ora de jogar dados.

- Não sou fidalgo, sou de outro algo.
Plangente palhaço sem riso, sem brilho e remota cidade sem civilização. Perco o passo a saltar entre as vielas de curioso que trago entre tantas cenas o meu olhar inquisidor. Minhas botas estão imundas... De lavar é à hora. De gozar é a tara. 
A cidade à noite vazia é muito mais sedutora. Comprei, pintei, tranquei, escrevi, mostrei, guardei, filmei e, foi tão confortável. O mundo não me cala e as senhoras de enormes olhares não me amedrontam, tem vezes que preciso gritar, não tenho medo de gritar, GRITO, esmurro, gargalho.
“Sou sádico como, o senhor.”
Eu as afasto com meu nobre erotismo porque de meu caminho arranco todas as culpas e fardo algum trago comigo. E todos verbalizam suas soluções como se fora eu um fantoche posto para recriação. Renego todos que me tocam porque crio minhas curas, minhas denúncias e medo só existem se houver outro ser ao meu lado porque me divirto estando só. Pescador de rede tamanha de todos os peixes e, de todos os mares, sou herói. E Dalila me traiu, burra mulher.
E de quimeras é feita a vida assim como o pedestal de onde ergo minha fonte em todo o horizonte e minhas ilhas não são vistas a olho nu. Engraçado é esse traço de invenção que me fora dado. Embora fantoche me denominem as vozes humanas, liberta está minha primeira condição.
Viver de cara livre ao modo de ser triste escrevendo críticas e fazendo crescente minha criação. Sem mim não há mundo e carrego entre as palavras a prova de meu talento que é único, singular e adjetivo. Vadios são os outros.
Eu sou protegido e recrio o que do lixo que se esvai. Na verdade, invento misérias para alegrar a triste sorte dos ingênuos e a vergonhosa malícia dos mortais.
Não sou fidalgo. É fato.
Sou trapo rasgado e remendado arfando vento a caçar buracos e de alma despudorada prometo causar desgraça aos que muito falam e da vida sabem nada.

"Sou um homem porque erro"