Espatódea





Naquele momento de reflexão, percebeu que não pertencia mais aquele mundo. A geração atual, diferente da sua, vive em uma velocidade e superficialidade que o deixa completamente transtornado.
Estava completando 19 anos.
O clique que o gatilho de luz fez na sua têmpora soou como o play para o filme de sua vida que começou a ser projetado na tela de suas pálpebras fechadas. Fade in, super close, trilha sonora branda ao som do xilofone, batidas de um coração fetal, flashes, luzes, violência, asma, choro. Corte. Dúvidas, frustração, o primeiro natal em que ganha roupa no lugar de brinquedos.  Corte. Tomada solta, retira as rodinhas da bicicleta e anda tranquilamente, mantendo o equilíbrio. Corte. Close, o primeiro beijo debaixo da escada do colégio. Ela tem gosto de drops de hortelã. Corte. Coração na boca. Perda da virgindade. Corte. Balde de tinta na cara, trote na faculdade. Corte. Fim de namoro. Corte.  Imagens aceleradas e cortadas. Desertei-me. Desertaram-te.
Nas mãos, um punhado de vontade guardada. Assovia uma música e se perde nas letras.
“Por que cresceste curuminha, assim depressa, estabanada, saíste maquiada dentro do meu vestido” 

  Sozinho... Sempre sozinho de si... Assim, se levantou e cantou. E cantou muito. E cantou só. E cantou até ver luzes. E cantou até ficar tonto e ter ânsia de vômito. E cantou como se fosse a primeira e a última vez que estivesse cantando. E cantou como se o mundo tivesse deixado de existir.
- Ele é maluco? – perguntam
Ele veio de um reinado distante chamado: Quase Definitivo. 
Só que quando o conheci o vi divido entre a curiosidade e o assombro de viver, e na dúvida, optou pelos dois. Mirou no alvo.
Correu, corre, sorri cativa... Dorme.
Era tão raro querer correr para perto de alguém tão distante e tão neutro que transbordava nos olhos o desespero da falta que fez... Mas foi a falta, que trouxe o afeto, o carinho, a amizade. Eu te carrego entre traços rabiscados.
Eu esperava tanto que você tivesse asas, que viesse e ficasse... E ficou pra minha eterna gratidão. E eu tinha algo a pensar que me ocuparia o dia inteiro: Você precisa existir. 
Eu tento investigá-lo para, um dia, quem sabe, conseguir entender o que tanto mais você esconde.  Debilmente eu aceito seu calendário em cujos dias eu não passo de um número inapropriado. 
  - Se um dia voltar, avise que daqui de fora sinto saudades.
E tenho medo que um dia penses assim: “E, entre os presentes e passados, um dado estatístico: hoje é meu aniversário e a vida jocosamente me enfarta de cansaço. Outro retrato e a celebração chega ao fim.” Porque não quero nunca saber que está cansado de preencher os vazios que te buscam, que andam ao teu lado.
Adiantaria dizer, me que faltam frases? Quer que eu te solte? Escrevo para recordá-lo.
E eu continuo aqui, parada vendo você passar por mim e eu sei que irá se soltar, mas amizade, amizade não se solta e você sempre saberá voltar... E o pior, saber que você é uma das pessoas que me fez mais feliz.
Voa, segure-se... Continue...
É só isso que tenho pra sonhar pra você.
Eu continuarei com você todos os seus dias até que seu fôlego deixe seu delicado corpo.